17/04/2024

STJ invalida plano de recuperação judicial que previa deságio de 90% de crédito de banco

Fonte: Valor Econômico
Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi favorável ao voto de um
banco credor contra a aprovação de plano de recuperação judicial que previa
deságio de 90% em seu crédito. Assim decidiu a 4ª Turma por unanimidade
Para o colegiado, não seria razoável exigir do banco, titular de cerca de 95% das
obrigações da empresa devedora, que concordasse incondicionalmente com a
redução quase total do seu crédito de cerca de 178 milhões de euros, em
benefício da coletividade de credores e em detrimento de seus próprios
interesses.
Por considerar abusivo o voto do banco contra o plano apresentado pela
devedora, o juízo de primeiro grau flexibilizou as regras para concessão da
recuperação judicial, aplicando o instituto conhecido como cram down, o qual
permite ao magistrado impor o plano ao credor discordante mesmo que não
tenha sido alcançado o quórum legal para sua aprovação.
Ao julgar recurso do banco contra a decisão de primeiro grau, o Tribunal de
Justiça de São Paulo (TJSP), por maioria, manteve o reconhecimento de abuso
no exercício do direito de voto. De acordo com o tribunal, o banco não
conseguiu demonstrar que a decretação da falência da empresa lhe seria mais
benéfica do que a recuperação nos moldes propostos no plano.
No recurso ao STJ, o banco alegou que a recuperação foi concedida sem o
preenchimento cumulativo de todos os requisitos do artigo 58, parágrafo 1º, da
Lei de Falência e Recuperação Judicial (LFR).
O relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, apontou um precedente
do STJ (REsp 1.337.989) que admitiu, em circunstâncias extremamente
excepcionais, a concessão da recuperação na ausência do quórum estabelecido
pelo artigo 45 da LFR e sem o atendimento simultâneo dos requisitos do artigo
58, parágrafo 1º, a fim de evitar o abuso do direito de voto por alguns credores
e visando a preservação da empresa (REsp 1.880.358).
Contudo, o ministro destacou que não se pode transformar essa exceção em
regra. Segundo ele, o cram down é medida excepcional, cujo objetivo é superar
impasses e permitir a continuidade da empresa. Justamente porque esse
instituto exclui o voto divergente do credor, a LFR restringe o seu uso ao exigir
o cumprimento cumulativo de três requisitos.
Desses três, Antonio Carlos Ferreira afirmou que dois não foram atendidos no
caso em julgamento: o voto favorável de credores que representem mais da
metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia,
independentemente de classes (artigo 58, parágrafo 1º, inciso I); e o voto
favorável de mais de um terço dos credores na classe que tiver rejeitado o plano
(artigo 58, parágrafo 1º, inciso II).
O ministro também ressaltou que o deságio de 90% previsto no plano era mais
significativo para o banco do que para os outros credores, considerando que
seu crédito é de cerca de 178 milhões de euros, enquanto a soma total dos
demais créditos não chega a 5% disso.
O relator ainda ponderou que o banco não pretendeu a decretação de falência,
mas apenas a convocação da assembleia de credores para a aprovação de um
novo plano. Assim, segundo o ministro Antonio Carlos, sob qualquer
perspectiva que se examine a controvérsia, o banco não incorreu em abuso do
direito de voto, pois estava buscando de forma legítima a satisfação de seu
crédito.
Ao dar provimento ao recurso, a 4ª Turma determinou a intimação da devedora
para a apresentação de um novo plano, a ser submetido aos credores (com
informações do STJ).